Resenha Coral - Warum? (Por que?) Daniel Reuss e Cappella Amsterdam

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Canto coral é assunto sério durante o período romântico. Além das questões bucólicas, melancólicas e platônicas,  questionar a vida é importante para os compositores desta corrente.
Brahms é um compositor que se ocupa desse aspecto e o Cappella Amsterdam, sob a liderança de Daniel Reuss, revela essa face de maneira singular. Hoje, a resenha coral é sobre o disco "Warum" (Por que?) com obras para coro à capela de Johannes Brahms.

Reflexões sobre Brahms e o Romantismo em sua obra coral

Johannes Brahms é um compositor alemão do período romântico. Em sua obra, é possível observar um tratamento harmônico rebuscado que não foge ao âmbito tonal, mas o explora ao máximo. Não é apenas o uso sofisticado da harmonia que chama a atenção na obra vocal de Brahms, mas também seu engajamento nos indagamentos morais.
A escolha de temas que questionam a existência humana perante a sua insignificância diante da natureza, da força divina; o egoísmo humano, a maneira de lidar com a morte. Tudo se transforma em música para Brahms, o que, em muitos casos, traz um ar melancólico aos poemas e textos sacros que o compositor musica.
A classe intelectual teve ampla influência na construção da opinião pública do século XIX, que era moldada por uma imprensa culta. Praticamente todos os artistas de renome eram críticos de jornal. Brahms conviveu com setores altos da intelectualidade europeia, possuía relação direta com poetas, literatos, artistas e compositores de seu tempo. Robert e sua esposa, Clara Schumann, compositores e intérpretes consagrados, foram seus maiores incentivadores.
Daí o reconhecimento a partir das críticas publicadas pelos Schumann e outros cronistas.
Mas o gênio de Brahms não precisava disso tudo pois, mesmo sem os Schumann, alcançou prestígio em Viena com o Réquiem Alemão. Outra obra de questionamento à vida e à morte perante a grandeza de Deus e da Natureza.

Warum?

Warum é o nome do álbum gravado pelo Cappella Amsterdam sob a regência de Daniel Reuss. Um grande "Por que?" é o título da obra presente no de Brahms baseado em textos bíblicos, que abre o disco. "Warum ist das licht gegeben den muhseligen" (Por que a luz é dada a um vagarento?) Esta é a tradução mais ou menos literal do título da obra. Demonstrando a insignificância do ser humano, especialmente diante das atitudes medíocres de sua existência.
Uma reflexão sobre a utilidade da existência de cada um é levantada: Por que dar a vida a alguém que é indiferente ao mundo, a alguém que escolhe viver de maneira ignóbil, sem fazer da vida algo que valha a pena. Por que a humanidade? Por que se preocupar com a vida, se no fim todos morrem? Por que fazer algo se no fim não haverá mais nada? Esses são os questionamentos de Brahms.  
Daí o nome "moteto": termo utilizado para denominar as formas corais para obras litúrgicas na grande maioria à capela. Graduais, salmos, todos os textos sacros de importância são trazidos para a música na forma de moteto. Para Brahms o sagrado não está na religião, mas no questionamento da existência, o que envolve a própria religião e credos. Por isso, chama de moteto a obra que inquire a vida e sua relevância diante da existência do todo. Veja o trecho final de Schiksalslied (Canção do Destino) com texto de Friedrich Hölderin:
"Mas a nós não é dado
Em canto algum repousar;
Fenecem, caem
Os homens sofredores
Cegamente de uma
Hora para outra
Como água de penhasco
Em penhasco lançada
Incessantemente no incerto."
Nada reflete mais a ideia de Brahms diante do que vale a pena ser musicado. Brahms não tem tempo para frivolidades. Sua música é séria, preocupada com o sentido da vida.
Warum e Schicksalslied demonstram um ponto alto do álbum gravado pelo Cappella Amsterdam. Warum, com a sua ampla dificuldade técnica iniciando com um trecho fugato com uma melodia tortuosa, totalmente à capela, e a segunda parte para coro a seis vozes, remete ao estilo antigo com a linguagem harmônica rebuscada e poesia engajada. Schicksalslied em uma versão arrebatadora para coro e piano a quatro mãos, diferente do original que é para coro e orquestra.

Cappella Amsterdam

O Cappella Amsterdam é um coro profissional fundado por Jan Boeke em 1970. A partir de 1990 passou a ser conduzido por Daniel Reuss e alcançou protagonismo na produção holandesa para o gênero e reconhecimento na Europa.
O coro já cantou com a Asko-Shönberg Orchestre de Paris, com a Orchestre of the Eighteenth Century, Orchester of the Age of Enlightment, SWR Vokalensemble, MusikFabrik e o RIAS Kammerkor.
Tem vários discos gravados pela Harmonia Mundi, gravadora belga focada na produção de álbuns de música clássica, incluindo o CD Lux Aeterna, com obras de Ligeti, que rendeu o prêmio diapasão de ouro 2009 cedido pela revista francesa Diapason.
O coro foi indicado ao Grammy de 2010 pelas gravações feitas com Frank Martin's Golgotha. O disco Choral Works também ganhou um diapasão de ouro e um CHOC do ano, prêmio concedido pela revista também francesa Clássica em 2014. O disco Warum, abordado neste artigo, recebeu o  prêmio alemão Schallplattenkritik.
O conjunto possui uma sonoridade única e ampla participação em transmissões de TV na Europa. Muitos dos seus concertos estão disponíveis no Youtube em alta definição.

Daniel Reuss

Reuss é regente do Cappella Amsterdam, do Coro de Câmara Filarmônico da Estônia e do Ensemble Vocal Lausanne. Em 2010 foi indicado ao Grammy de melhor performance coral. De 2003 à 2006 foi regente do RIAS Kammerchor Berlin (Coro da Rádio Berlin) onde gravou vários CDs. O disco com obras de Messiaen rendeu o diapasão de ouro de 2004 e o prêmio alemão Schallplattenkritik. Lecionou regência ao lado de Pierre Boulez em 2006 no festival de Lucerna e já regeu a English National Ópera, Orquestra Filarmônica da Estônia, Akademie fur alte musik Berlin, MusikFabrik, Scharoun Ensemble e a Orquestra Filarmônica de Câmara da Rádio. Em 2016 foi ordenado Cavaleiro na Ordem do Leão Holandês, honraria da coroa holandesa para personalidades célebres da nação.
Brahms é um importante compositor, Reuss e o Cappella Amsterdam excelentes intérpretes. Entretanto, não desperta uma certa inveja a quantidade de prêmios e reconhecimento oferecidos à produção coral no exterior? Para mim, a situação coral brasileira passa por um momento medíocre. Por que? (Warum?). Não há nenhum reconhecimento. As instituições ligadas à música não valorizam nem premiam os nossos intérpretes e produtores pelo bom desempenho. Ceição de Barros Barreto, ainda na década de 70, salientava a importância disso. Diz ela:
"O canto coletivo definido pela satisfação pessoal dessa atividade e pela educação social, artística e cultural, tem, entretanto, necessidade de estímulo para o seu desenvolvimento e progresso; isto poderá ser proporcionado pelas audições públicas, concertos, transmissões radiofônicas e televisadas, gravações em discos, intercâmbio com outros conjuntos, concursos, independente de remuneração financeira".
Muito pouco se faz pelo coral no Brasil, e contamos com apoio e compromisso escasso, inclusive de cantores e gestores de instituições ligadas à música. Revela-se assim, um horizonte curto para a atividade. Assim como a água lançada do penhasco, com essa postura, ladeira abaixo fica a nossa cultura, rumo ao incerto.

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