O maestro, a mixagem e as ferramentas digitais de ensino

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A pandemia, para muitos, foi um baque, especialmente para aqueles que não dominam nenhum tipo de tecnologia. Neste post, vou falar sobre a relação do maestro com a mixagem e,  já adianto, o assunto é polêmico.

Mixagem é arte

Muitas pessoas consideram o trabalho do mixador um serviço técnico. Ou seja, o maestro passa as orientações de como quer que sua música soe, e o técnico vai lá, e resolve. No entanto, a relação entre música ao vivo e a gravada é completamente diferente. O regente pode até saber o que quer ouvir, mas o mixador sabe exatamente como a faixa gravada vai se comportar, da mesma maneira que um pintor pode construir novos efeitos com uma aquarela, ou apenas fazer retoques. De qualquer forma, o trabalho é artístico e, independentemente da vontade do regente, terá o toque especial do mixador. Mesmo em apresentações ao vivo, o trabalho do mixador faz diferença, assim como quem faz a captação, cuja função é bem posicionar os microfones para obter um efeito próximo ao do local onde a música está sendo gravada. Nessa situação, de fato, não dá para o regente fazer tudo, pois precisa construir a ideia musical com o conjunto, enquanto o engenheiro de som busca os melhores pontos de captação. A mixagem, nesses casos, é bem discreta, muitas vezes, usando apenas equalizadores que, para realçar a sonoridade do coro, removem ruídos e atenuam, ou reforçam, frequências. 

Terceirização do serviço

No Coro virtual, a situação muda, pois, é necessário encontrar uma sonoridade que reflita a intenção sonora do regente a partir da mistura das vozes, e as diferentes ambiências onde foram gravadas. Ora, se o regente não tem ideia do que esse “ecossistema” pode oferecer, como vai saber que diversas possibilidades sonoras pode obter? O engenheiro de som, por sua vez, tem todo esse arcabouço sonoro. Logo, o trabalho do regente não se torna mais necessário, visto que todos os aspectos são bem resolvidos por um mixador de competência média. A terceirização do serviço de mixagem tira o regente de uma de suas principais funções, a construção global do som do próprio grupo.

Empurrando com a barriga

Muitos regentes tentam simular o ensaio presencial usando as plataformas de videoconferência como o Zoom, o Google Meets, o Skype e outros, entretanto, considero isso uma perda de tempo.

A maior parte dos trabalhos presenciais se concentra em repetir as linhas melódicas com a esperança de que os cantores aprendam de ouvido. Ou seja, quanto mais repetem, mais fixam a ideia musical. No entanto, essa repetição é facilmente automatizada por diversas ferramentas digitais de várias formas mais eficientes que uma videoconferência, onde o regente repete as notas num piano mal captado. Além disso, a qualidade sonora de uma videoconferência nunca é igual a de uma gravação comum. Isso ocorre porque a simultaneidade exige alguma perda. Os arquivos ficam menores, para garantir que cheguem mais rápido aos interlocutores.

O regente, que assume esse modelo de trabalho, se rebaixa a algo que qualquer máquina pode fazer, e ainda estafa seus cantores com repetições maçantes, de baixa qualidade sonora e com pouca eficiência pedagógica, na contramão de todas as tendências educacionais do século XXI.

A situação dos grupos que mantêm o trabalho com esta estrutura fica estagnada, pois, empurram com a barriga a necessidade de capacitação urgente dos seus atores: regente, cantores, corpo administrativo, etc. Esses trabalhos serão, em breve, engolidos pelos que se enquadram numa metodologia moderna, que respeita a velocidade de aprendizado de cada cantor, deixando-o livre para aprender no próprio tempo, de forma flexível e eficiente, sem expor as dificuldades aos outros membros, pois, o estudo individual passa a ser uma necessidade. Com essa parte automatizada, o cantor é obrigado a ouvir os modelos dados, gravar-se e ouvir-se quantas vezes for preciso, no tempo dele. Consequentemente, a auto-avaliação é constante, permitindo ao cantor obter olhar crítico sobre sua própria produção.

Mixar não é para poucos

É óbvio que aprender a mixar não é tarefa fácil, mas o novo ambiente mostrou mais uma capacitação necessária para o regente. Terceirizar essa função, no caso dos coros virtuais, é dar a outra pessoa a função principal do maestro, que é fazer a mistura das vozes e sua ambiência. Mas, para muitos, ensaiar um coro se resume a tocar linhas melódicas num trabalho repetitivo que transforma o cantor num papagaio amestrado. Um regente deve oferecer muito mais que isso, e o cantor também espera mais dele. Muito mais que fazê-los de fantoches, os cantores querem obter conhecimento verdadeiro, capacidade de conseguir andar com as próprias pernas, necessitam de algo que estimule a pró-atividade.

Não estou dizendo isso para menosprezar o trabalho de ninguém, até porque isso é apenas um aspecto, dentre muitos outros, de um ensaio coral. Meu intuito é evidenciar que qualquer um percebe que reduzir o trabalho coral a passar as vozes, mostra uma falta de compromisso intelectual com os cantores, pior ainda quando isso acontece por videoconferência, revelando também uma falta de preparo para lidar com o mundo de possibilidades que as ferramentas digitais de ensino oferecem.

Há quem diga que a repetição é necessária para tonificar a musculatura, mas qualquer educador físico rebaterá dizendo que a eficiência exige mais do que isso, que não adianta repetir aleatoriamente, só trará lesões. E não adianta vir com aquele papo de direção musical, conceito artístico, ideia essencial, etc. Tudo isso é desculpa para justificar o desinteresse por  aprender algo novo.

Capacitação e acomodação

O regente, que se dispõe a trabalhar no ambiente virtual, tem que aprender a mixar, e pronto. E não é nada tão difícil. Não é um conhecimento guardado a sete chaves por meia dúzia de anciãos. As graduações oferecem matérias para desenvolver essa habilidade, tem bastante material publicado sobre o assunto, o Google e o YouTube estão cheios de informações, tem cursos on-line. Inclusive, algumas universidades no exterior pedem vídeos de coros virtuais como trabalhos de conclusão de curso. Ou seja, não só o mercado exige, como as instituições de formação, atentas ao próprio mercado, demandam essa expertise. Portanto, basta o regente ter interesse que chegará na informação.

Já passou da hora de sair do ostracismo e manter em dia a capacitação do coro. Ou então, espere a pandemia passar e trabalhe no ambiente no qual se sente confortável, mas não canse as pessoas conduzindo um trabalho de coro virtual onde só fica batendo notas em videoconferências. Os cantores merecem mais que isso.

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Comentários

  1. "Muitos regentes tentam simular o ensaio presencial usando as plataformas de videoconferência como o Zoom, o Google Meets, o Skype e outros, entretanto, considero isso uma perda de tempo"

    Rafael, respeitosamente discordo de vc. Não considero perda de tempo. Pode ser que na sua metodologia de trabalho, não seja o mais adequado mas para mim tem funcionado, dentro do possível. Nada que não possa ser melhorada, mas tudo depende de como vc usa a ferramenta!

    Abs

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    Respostas
    1. Miguel,
      Como conheço seu trabalho, me sinto na condição de dizer que você "não simula um ensaio presencial" nas plataformas de videoconferência. Já vi você usando o MuseScore, audioguias, reaper. Tudo isso é recurso que retira o "peso" das plataformas de videoconferência.
      Minha crítica é única e exclusiva na concentração do trabalho, por inteiro, nas videoconferências. Acredito que você concorde que enviar um audioguia para o cantor seja mais eficiente que transmitir o áudio ao vivo, por exemplo.
      Isso não retira a validade fazer videoconferências com os cantores, mas, vamos concordar que, recursos como os mencionados acima que, eu sei que você usa, são muito mais eficientes, já que, a transmissão ao vivo gera uma perda considerável na qualidade do áudio.

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