O que é percepção musical?

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Percepção musical talvez seja uma das disciplinas com mais mitos dentro da Música. Muitos acreditam que é o dom de conseguir ouvir sons e tocar espontaneamente em algum instrumento ou sair escrevendo uma partitura como se estivesse psicografando. Entretanto, percepção musical é uma habilidade que exige treino e dedicação e, normalmente, quem usa a desculpa de que é apenas para aqueles que possuem o “dom”, é porque não está muito afim de estudar. Afinal, exige anos de prática, disciplina e paciência.

Afinal, o que é percepção musical?

A definição é mais simples do que parece: Percepção musical é a forma como percebemos os sons que estão à nossa volta. Existem diversas maneiras de usar a percepção para observar características musicais.

Um dos exemplos que mais gosto é o do mecânico ao avaliar se um motor apresenta,ou não, mau funcionamento. Perceber um defeito num motor somente pelo ronco que emite, exige uma percepção finíssima, pois, exige avaliar como está a sincronia das partes numa escuta rítmica altamente apurada.

Uma das formas mais comuns de identificar defeitos em aparelhos é pelo som. Fazemos isso com diversas outras máquinas como geladeiras, ventiladores, liquidificadores, microondas, computadores.

Métodos ativos de percepção musical

Há diversos métodos que trabalham a percepção musical de forma ativa. Abaixo estão os aspectos mais trabalhados:

  • Percepção melódica: quanto à interação entre as notas no contexto das escalas musicais, para a formação de melodias;
  • Percepção rítmica: quanto às subdivisões e agrupamentos rítmicos;
  • Percepção harmônica: quanto à interação entre sons simultâneos;
  • Percepção cinética: quanto à velocidade da música;
  • Percepção dinâmica: quanto à intensidade dos sons;
  • Percepção de timbres: quanto às características das fontes sonoras e à maneira como interagem com o meio.

Percepção musical na prática

No mundo ocidental, a tradição educacional costuma focar o exercício da percepção musical em dois aspectos: o de alturas, que é a percepção das notas musicais; e o do ritmo, que trabalha a duração que o som ocupa no tempo.

Talvez esse enfoque seja o que normalmente faz as pessoas imaginarem que é para poucos, pois, na maioria dos casos, quando os professores de música são procurados, concentram-se na escrita da partitura, priorizando os aspectos rítmicos e melódicos.

Esses elementos são fundamentais, mas não podem ser direcionados para uma decoreba sem conexão com a vivência musical do aluno. É necessário trabalhar com sentido prático, mostrando como esses pontos são úteis.

Antropologia e percepção musical

A visão antropológica reforça o fato de que o enfoque nas alturas e no ritmo não determina uma percepção musical eficiente. A música é um traço cultural, submetido aos modos de fazer de cada local.

Na música ocidental, a maior parte das pessoas tem contato com os modos chamados maiores e menores. São escalas de sete sons, com alturas bem definidas, que respeitam, no mínimo, a distância de um semitom entre as notas. Existem culturas que admitem espaços menores que um semitom, e escalas com mais notas.

Sendo assim, as pessoas que vivem nessas localidades não são consideradas musicais?

São culturas bem desenvolvidas, como a indiana, que possui uma música de complexidade única. Em todo o continente africano, há exemplos de música de alto nível. A harpa senegalesa e os xilofones sul-africanos, por exemplo, são instrumentos afinados em escalas próprias com particularidades extraordinárias.

Há quem diga que os indianos possuem uma percepção musical mais aguçada ou que os chineses, por se comunicarem em língua tonal, possuem mais facilidade em aprender música, mas não há nenhuma comprovação nesse sentido, pois, o choque cultural gera conflitos cujas consequências nem conseguimos estimar.

O eurocentrismo na percepção musical

Quando fazemos uma relativização antropológica, percebemos que as condições para determinar se alguém possui o dom de ouvir e perceber todas as características de uma música, não acontece de forma simples. São muitas variáveis: a cultura onde vive, os meios educacionais que tem contato, o ambiente familiar. Tudo isso contribui no aprendizado musical.

O olhar eurocêntrico normalmente limita a relativização antropológica e favorece a visão enganosa que sugere que a música é só para quem tem o dom, para quem nasceu em condições favoráveis, etc.

Percepção musical e mercado

O estudo de percepção musical exige anos de aprendizado, e o mercado procura eficiência. Existem diversos softwares que resolvem os problemas de afinação e ritmo. Programas como o autotune são indispensáveis no estúdio de gravação, economizando tempo com as limitações dos músicos.

Enquanto muitos professores tradicionais de música estruturam o trabalho em torno do aprendizado das alturas e ritmos, o mercado cria artifícios que resolvem essas dificuldades em poucos cliques, e possibilitam que o músico consiga trabalhar outros atributos que fazem vender melhor, como aparência, expressão corporal, oratória e outros.

Educação musical X mercado

Esse contexto cria uma confusão na mente das pessoas, pois, com um mercado que não exige conhecimentos musicais elementares como a percepção musical, a necessidade de aprender é ainda mais ofuscada e, para muitos, se torna desnecessária. Na verdade, cria-se uma anomalia onde o músico de massa tem pouco a dizer sobre música, e muito a dizer sobre assuntos secundários.

O músico de sucesso das massas não é mais uma referência na ciência musical e as massas entendem que o seu produtor é quem possui essa expertise. Ou seja, para boa parte do mercado, o sucesso do músico está condicionado à competência do produtor musical.

Isso causa uma segunda anomalia, já que o produtor é dotado de recursos tecnológicos e mercadológicos que possibilitam que, mesmo aqueles não capacitados, atuarem na música com sucesso. Mais uma vez, a percepção musical fica como algo para poucos.

Métodos tradicionais de percepção musical 

Com a observação antropológica e de mercado devidamente postas, podemos falar sobre os métodos tradicionais, muitas vezes desconectados da vivência musical dos alunos, e trabalhados de forma árida e pretensiosa. Digo pretensiosa, pois, na ausência de recursos pedagógicos eficientes, para reforçar que percepção musical é para poucos, muitos professores se posicionam como gênios do metiê. Uma postura que desanima ainda mais quem tem dificuldade, e reforça os preconceitos.

Muitos métodos tradicionais são dotados de pouca comunicação com as formas de fazer musical vigentes no mercado, distanciando cada vez mais o estudo da música das pessoas comuns.

Mercado, tradição e o professor de percepção musical

Para se aproximar do aluno, o professor precisa ouvir seu repertório, precisa conhecer mais o que ele ouve. Para isso, necessita estar atento ao que acontece no mercado que produz a música que o aluno ouve. Normalmente, o mercado de massa.

Quando o professor é preconceituoso, dificilmente ouvirá a música que está no repertório do aluno, e é nesse ponto que começa o desarranjo, pois, as referências ficam distantes, e a comunicação se torna inviável.

Ambas as partes precisam ceder: o professor deve estar sempre procurando ampliar seu  repertório, buscando conhecer a maior parte dos gêneros vigentes, e o aluno precisa buscar formas de expandir sua vivência musical.

Expandindo a vivência

Por mais que um professor seja bem intencionado, é impossível conseguir ouvir tudo o que há no mundo. Por isso, também é papel do aluno estar aberto a novas experiências, conhecer outras atividades e ver como pode contribuir para a percepção musical.

Algumas atividades em grupo ajudam bastante neste quesito como prática de orquestra, de banda, grupos vocais. Tem um artigo neste blog que mostra como o canto coral pode ajudar na percepção musical. É uma ótima forma de exercitar a percepção musical de forma lúdica, divertida e eficiente. Além de ser muito acessível, pois todos temos voz e podemos cantar. Clique no link abaixo e saiba mais:



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Comentários

  1. Parabéns pela matéria, professor! Tal assunto traz um norte para os estudantes e os que tem desejo de estudar, mas acham que não têm habilidade.
    Como estudante e praticante, seu blog me ajuda bastante a lidar com os alunos. ❤️

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  2. Excelente! Explicações e argumentos claros e objetivos.
    Obrigada.

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