Canto coral e carnaval

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Canto coral e carnaval: por que os corais ficam fora da maior festa do Brasil?

canto coral e carnaval dá pé?

Você gosta de carnaval? Também gosta de canto coral? Já percebeu o quanto é estranho a maior parte dos agrupamentos corais pararem durante a maior manifestação cultural do Brasil?

Um dos fatos que mais me intriga no canto coral é que a maioria dos grupos param durante o carnaval. Durante uma semana inteira de manifestações culturais, os cantores simplesmente tiram férias, como se não fossem relevantes para a cultura naquele momento; ou cantam durante o período de um jeito diferente do que costumam fazer ao longo do ano.

O que faz as pessoas simplesmente pararem nesse momento? Isto é o que procuro desvendar ao longo deste texto. Se interessou pelo tema? Então leia até o final e veja se a reflexão faz sentido.

Canto coral e música clássica

Muita gente acha que canto coral é só música clássica. Talvez isso ocorra pelo fato da maior parte dos grupos cantarem apenas o repertório tradicional, executarem sempre as mesmas músicas, os mesmos arranjos, as obras dos mesmos compositores. 

A opção de realizar sempre os mesmos repertórios determina o que chamamos de cânone musical. Existe um cânone de repertório que perdura ciclicamente na prática coral onde são tocadas sempre as mesmas coisas, e isso reduz a experiência estética dos grupos. As pessoas não conseguem ir além da experiência que a tradição impõe.

Tradição e canto coral

Tradição não diz respeito somente àquilo que normalmente se toca no mundo inteiro. Existem tradições dentro de determinados grupos específicos, que podem ter costumes próprios na realização dos repertórios. Muitas vezes, isso determina o cânone do que toca  aquele grupo. 

Uma região pode ter um cânone próprio de repertório que diversos maestros, por terem professores em comum, simplesmente perpetuam. Mudando para outras regiões, outras práticas podem ser perpetuadas. Dependendo do lugar, o repertório pode variar, tendo maior similaridade de acordo com os professores que habitam os espaços. 

Canto coral no eixo Rio São Paulo

Uma cidade como o Rio de Janeiro pode ter um cânone bem próximo do de São Paulo, já que são centros metropolitanos próximos. No entanto, se os professores que residem nos centros de formação são diferentes, é provável que o cânone se diversifique. Conforme as gerações passam, esse repertório pode variar cada vez mais de acordo com as experiências de cada professor. 

Uma comparação flagrante é que, no Rio de Janeiro, se perpetua o repertório de tradição sinfônica, figurando mais nas instituições de ensino. Em São Paulo, esse repertório também é comum, mas há a aplicação do repertório popular conjuntamente, combinada a arranjos de música popular.

Tradição orfeônica regional

Talvez isso ocorra porque, em São Paulo, a tradição orfeônica teve uma aplicação escolar mais espontânea do que no Rio de Janeiro. João Gomes Júnior e Fabiano Lozano aplicaram as primeiras experiências nas escolas em São Paulo. No Rio de Janeiro, o orfeão ganhou maior força a partir dos esforços de Heitor Villa-Lobos e Getúlio Vargas, durante o Estado Novo.

No Rio, o orfeão se difundiu por imposição do Estado. Em São Paulo, ocorreu de forma mais natural, sendo aplicado em escolas livremente, antes de ser encampado pelas gestões governamentais. Em São Paulo também houve intervenção estatal nas escolas, mas, quando isso ocorreu, em muitos lugares já havia a prática introduzida dentro da essência, aplicando o repertório popular na prática coral. 

Há um novo estudo, publicado pelo pesquisador Carlos Alberto Figueiredo, mostrando o pioneirismo do orfeão a partir das ações de Alberto Nepomuceno e Barrozo Netto, no Rio de Janeiro. Ambos os compositores possuem uma posição fundamental na educação musical brasileira na virada do século XIX para o XX. No entanto, esta iniciativa não durou mais que três anos, indo de 1897 a 1900. 

As ações de Nepomuceno e Netto podem ter sido a semente do ideal orfeônico no Brasil, mas o interesse público iniciou com as ações de João Gomes Júnior e Fabiano Lozano, culminando nas ações do Estado Novo promovidas por Getúlio Vargas e Heitor Villa-Lobos.

Canto coral europeu e caipira

Além disso, em São Paulo, a tradição caipira, a partir dos territórios desbravados pelos bandeirantes, é maior. Neste contexto, a música popular ganha maior sensação de pertencimento, no sentido de que as pessoas têm muito mais contato com esse repertório, e se reconhecem no fazer musical. 

O Rio de Janeiro, por ter sido um centro cosmopolita durante boa parte do século XIX e XX, sendo o principal local de importação de tradições europeias nesses séculos, se tornou uma cidade onde perpetua o cânone de tradição sinfônica, nos moldes europeus do fazer musical.

Assim, na cidade do Rio de Janeiro, é comum o canto coral encontrar maior resistência ao repertório popular por ser conduzido por lideranças que perpetuam a prática dos professores europeus, que sempre estiveram nos cargos mais altos desde os tempos da colônia. Sendo o Rio de Janeiro a capital do Reino Unido a Portugal e residência da família real portuguesa durante o século XVIII e XIX, é natural que a tradição europeia tenha obtido maior força. 

Um Rio de Janeiro contra as tradições populares

O irônico é observar que o Rio de Janeiro é um local de produção de música popular massiva, sendo um ponto de confluência de manifestações culturais diversas. É onde surgiu a modinha, o lundu, o maxixe, o samba (há controvérsias em relação ao recôncavo baiano, mas vamos deixar isso para outro artigo). 

Observar a dificuldade do Rio em relação ao repertório popular aplicado ao canto coral, na verdade, é observar que atores do canto coral, nesta cidade, em sua maioria, população de origem europeia, são mais resistentes ao repertório popular justamente por seguir as próprias tradições europeias. 

Mesmo havendo no Rio de Janeiro uma grande população de origem africana, esses artistas estão envolvidos com outras atividades musicais que, embora façam uso dos agrupamentos vocais, não têm como foco a produção nesta formação. Em paralelo, a população indígena é cada vez mais afastada a partir das ações que apartam os indivíduos da metrópole.

Canto coral e língua

É interessante observar que, embora seja um centro de produção de música popular, o canto coral, no Rio de Janeiro, é mais restrito às manifestações de matriz africana e indígena. 

Esse fenômeno pode ser melhor compreendido observando o uso da língua geral. No Rio de Janeiro a resistência à língua geral também é maior.  Nesta cidade sempre se adotou mais o português e até outras línguas europeias para comunicação. Observamos, inclusive, influência do francês no sotaque carioca atual. 

Já em São Paulo, a língua geral se perpetua durante a maior parte do período colonial, e só deixa de ser utilizada com uma imposição cada vez mais dura da língua portuguesa, especialmente com os atos do Marquês de Pombal. Pelo uso da língua geral, percebemos que os bandeirantes eram mais propícios às tradições populares, e os cariocas às tradições de origem europeia.

Canto coral e carnaval ainda não estão resolvidos

Esses são apenas alguns aspectos que podem nortear a reflexão sobre o distanciamento do canto coral ao carnaval. O exemplo do Rio de Janeiro e de São Paulo, está longe de resolver a questão como um todo, afinal, a prática coral ocorre no Brasil inteiro e, em São Paulo, apesar de um carnaval menos intenso do que no Rio, o canto coral também não é muito ativo durante esse período.

Apesar do carnaval parecer algo alheio ao canto coral, o canto em conjunto sempre se fez presente durante essa manifestação. As pessoas sempre cantam durante os desfiles. O canto não é o foco da atividade, mas faz parte dela. 

Um coral para o carnaval

Incomodado com isso, durante esse período, sempre faço algo ligado ao carnaval, mesmo sabendo que não haverá muito público e que alguns cantores torcerão o nariz. 

Com o Choir at Home, fazer um coral de carnaval ficou mais fácil, já que é um grupo coral totalmente à distância. Assim, durante o período do carnaval, lançamos um vídeo mostrando como funciona a formação durante o período da folia. 

Neste carnaval, fizemos a música Só danço samba, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. A música tem uma história engraçada: foi feita para uma peça, que estavam elaborando, chamada Blimp, que trata de um marciano que desembarca no Rio de Janeiro durante o carnaval. Nas idas e vindas da trama, uma personagem chamada Umbiguinho, que encanta o Marciano, disse a ele que só dança samba, e nada mais.

Tom Jobim  sempre disse que Bossa Nova é samba. Para ilustrar o carnaval, resolvi produzir essa música. Assista o vídeo no link abaixo:

Um coral para todos os gostos

Todos os gêneros musicais se encaixam bem no canto coral, por ser este uma formação musical. Trata-se de grupos de pessoas que cantam em conjunto. Se pensarmos no canto coral como agrupamento musical, entendemos porque o canto coral funciona com qualquer gênero musical. 

Por isso, no Choir at Home, faço diversos tipos de repertórios, possibilitando a ampliação da experiência estética, e mostrando o quanto o canto coral enriquece a cultura geral, possibilitando, não apenas o aprendizado musical, como também a formação artística ampla, observando questões ligadas à história da música, à socialização, à saúde, o lazer. 

Quer saber mais sobre a proposta? Dá uma olhada no link abaixo!

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