Leitura musical: como desenvolver com o canto coral

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Entenda como desenvolver a leitura musical no canto coral

Muitos acreditam que leitura musical é identificar as notas no pentagrama e saber as relações rítmicas de forma matemática, mas sempre defendi que ler música é muito mais do que isso. Assim como lemos em português, podemos ler música.

Antes de mais nada, proponho um experimento simples para definir se você sabe mesmo ler música: Pegue uma partitura e tente traduzir em sons. Caso necessite de um instrumento ou não consiga sair da parte conceitual, como identificação do nome das notas e da proporção rítmica, significa que ainda está longe de ler.

Leitura musical e canto coral

Das atividades musicais, o canto coral é uma das poucas que consegue estimular a leitura musical de forma plena. Uma das primeiras propostas feitas ao começar um ensaio, é o solfejo: uma primeira leitura para reconhecimento da obra. Nesse momento, o cantor demonstra o quanto de música tem dentro de si, mostrando sua habilidade em traduzir códigos em sons.

A habilidade de olhar para uma partitura e ouvir sons sem precisar tocar é algo adquirido com a prática, e o canto coral é fundamental para isso, pois, para cantar bem, não basta apenas internalizar os próprios sons, mas saber combiná-los em harmonia com os outros cantores. O canto coral é uma das poucas atividades musicais que estimulam o ouvido harmônico a partir da codificação da partitura.

Quando um músico chega ao ponto de conseguir harmonizar e afinar usando a própria voz, fica claro o domínio pleno do material musical que possui, independente do instrumento que toca, pois, ao cantar, retiramos o som de dentro de nosso íntimo.

No canto coral você desenvolve a leitura musical

  • traduzindo os signos musicais em sons usando a própria voz;
  • ouvindo e aprendendo com os exemplos do maestro;
  • fazendo os sons em conjunto, observando as combinações harmônicas;
  • de forma autônoma, sem precisar recorrer ao instrumento;
  • aprendendo a usar a partitura como ferramenta para a comunicação sonora.

Capacitação pedagógica para ensinar leitura musical

Para muitos, a partitura possui apenas códigos, que devem ser empregados no instrumento musical, e que elimina a necessidade de internalizar os signos, para uma pronta execução, ou então, é algo destinado a poucos, àqueles que se capacitaram e se transformaram em "tradutores" do som escrito.

Muitos dizem serem ruins em solfejo, como se fosse algo inato, ou não ter "jeito para a coisa", mas o problema está na prática constante de instrutores que estimulam um olhar analítico para a codificação musical, em detrimento de uma aplicação prática.

Tudo em música precisa ter aplicação sonora, para não ficar abstrato. Se a explicação vem sem o exemplo sonoro, algo está muito errado. Muitos instrutores não possuem a habilidade de ler e reproduzir com a própria voz, por isso, abordam a partitura de forma analítica, alimentando um ciclo que enche os alunos de teoria com pouca aplicação musical prática.

Consequências da falta de qualidade no ensino

A capacidade de abstração sonora de um iniciante é baixa. Se um professor não é capaz de transmitir o conteúdo sonoro intrínseco dos signos musicais, a partitura perde utilidade e a tendência é que o aluno seja sempre dependente da escuta para conseguir cantar ou tocar.

É um contrassenso, pois, a função do professor é ensinar a traduzir os signos em sons, e não  apenas tornar-se o tradutor. Imagine alguém aprender japonês, russo, hebraico, grego, sem entender o alfabeto nativo? É estranho, certo? Mas, na relação com a música, muitos admitem tranquilamente o aprendizado sem a escrita.

A consequência são alunos que, ao serem chamados à leitura, não conseguem transformar a partitura em música. Falam das figuras rítmicas, do compasso, das alturas, mas sem conseguir realizar a melodia. É como se, ao ler uma frase em português, ficasse identificando onde está o sujeito, o predicado, a conjugação do verbo e outros aspectos sintáticos, antes de entender a mensagem que a frase quer passar.

Ninguém é alfabetizado assim!

Em qualquer abordagem de classes de alfabetização, construímos, primeiro, os significados, depois partimos para a análise sintática. Quem ensina gramática antes de aprender a ler?

A falta de canto coral, de preparo pedagógico de muitos profissionais e a ausência de consciência de que aprender a ler música é traduzir signos em sons de forma autônoma, assim como fazemos ao ler um jornal, livro ou qualquer outro impresso, fez com que muitos aceitem que ler música é saber as proporções rítmicas de forma matemática e identificar as notas no pentagrama. Isso não é ler.

Transmitindo sua alma para os instrumentos pela leitura musical

Muitos acham que a partitura é para ser usada com um instrumento, mas todo o instrumento é inanimado. Ou seja, não tem alma: precisa ser animado. Anima significa alma em latim. Quando animamos algo, estamos transferindo nossa alma para aquilo. Animar um instrumento é dar-lhe alma. Portanto, se não conseguimos traduzir os signos musicais dentro do nosso íntimo, retirando de nossa alma o conteúdo musical que possuem, jamais seremos capazes de animar nossos instrumentos.

Não é o instrumento que nos anima. Ele não tem alma. Somos nós que os animamos. Portanto, esqueça essa ideia de condicionar a leitura de partitura ao instrumento, esperando o som vir dele para começar a traduzir os signos. A partitura depende do que queremos retirar dela e, tendo consciência musical, tudo se reflete naturalmente no instrumento.

A leitura musical do maestro deve ser imediata

A leitura autônoma da partitura é uma habilidade básica do maestro. Ninguém melhor que esse profissional para mostrar como decodificar os sons, para dar alma àquilo que está escrito. Por possibilitar o contato com esse profissional, o canto coral mostra, para o iniciante, essa relação íntima que estimula os cantores a ver-lhe a alma, em função do que está escrito. É como se o maestro fosse o primeiro tradutor do signo, animando o cantor a executar conforme a partitura orienta.

A relação inicial é de dependência, mas, conforme o músico trabalha a consciência, sua alma passa a ser enriquecida pela do maestro e, na transmissão de sua experiência, a leitura plena começa a acontecer. Esse processo não é pacífico, necessita do empenho do aprendiz, do anseio em aprender e, principalmente, do estudo dedicado. Caso contrário, a relação se torna parasitária. O cantor fica eternamente dependente do maestro, e inconsciente de sua função. Em um grupo que enriquece a alma conforme o coro se desenvolve, cantores com essa postura tendem a ficar inertes e, aos poucos, vão se deslocando, até o ponto de tornar insustentável sua permanência no conjunto.

Acomodação na leitura musical

O resultado de anos de prática coral, e do ensino inadequado do instrumento quanto à leitura, resultaram em uma situação anômala, onde as pessoas esperam aprender música sem capacitação na leitura musical. Nos corais, muitos maestros se acomodam em apenas repetir melodias sem o estímulo ao aprendizado da leitura, seja por comodismo ou por falta de capacitação pedagógica para realizar a função.

Alguns coros possuem foco apenas na técnica vocal, abdicando muitas vezes da partitura, o que limita o aprendizado e dificulta a comunicação. Usar esse recurso no começo de um trabalho pode funcionar, mas, brevemente, a partitura precisará entrar, para viabilizar algo mais elaborado.

Alguns outros corais investem em uma "falsa terapia", onde é difícil definir os benefícios da atividade diante da complexidade do que é o alcance do bem estar. O regente, para conduzir esse tipo de trabalho, precisa ser um terapeuta, competência que não é comum encontrar nas lideranças dos conjuntos atuais.

Quando a leitura musical perde o sentido

A má utilização da partitura e a falta de capacitação pedagógica de instrutores e maestros resultam em aplicações educativas pouco eficientes, tanto na atividade coral, como no ensino de instrumentos. O resultado lastimável de tudo isso é que, atualmente, o canto coral se tornou uma das poucas atividades musicais onde há integrantes que assumem não querer aprender música, limitando, e sabotando, o crescimento global do grupo. E muitos cantores, e regentes, assumem isso como natural. 

É um paradoxo, pois, quando realizado de forma adequada, o canto coral é a melhor ferramenta para o aprendizado musical, traduzindo os signos em sons, transmitindo diretamente, da alma do professor para a alma dos cantores, toda a musicalidade que a partitura pede, revelando-se como uma atividade de empoderamento musical, que traz a autonomia que todo aluno necessita para ler música.

Quer saber mais sobre o canto coral? Leia o artigo desse blog dizendo como funciona a atividade.

>>>COMO FUNCIONA O CANTO CORAL?<<<

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