Resenha Coral - Cantique de Noël: French Music for Christmas - Choir of Gonville & Caius College

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As postagens do mês de dezembro serão resenhas de discos com temática natalina. Não tomei essa atitude por querer pregar algum tipo de cristianismo, ou algo semelhante. Entretanto, tenho um imenso respeito à riqueza que o repertório natalino representa para a música coral ocidental. Esse repertório transborda à religiosidade e precisa ser visto como grande arte. A experiência estética não pode ser movida pelas nossas crenças. A criação humana é mais do que isso. Estimular a escuta atenta, desinteressada e construtiva, é o meu objetivo.

Cantique de Noël

Cantique de Noël é um álbum gravado pelo Choir of Gonville & Caius College da Universidade de Cambridge. Além das obras de grandes compositores franceses como Adolphe Adam, Hector Berlioz, Charles Gounod, Camile Saint-Säens, Cézar Franck, Gabriel Fauré, Jules Massenet e Claude Debussy, o disco conta com versões de noëls tradicionais feitos por arranjadores renomados como Léon Roques. Gravado em Oxford, na capela da Faculdade de Exeter, onde há um órgão de estilo francês, possui uma sonoridade muito peculiar ao gênero.

Choir of Gonville & Caius College

O Choir of Gonville & Caius College da Universidade de Cambridge é um dos coros universitários mais atuantes da Grã-Bretanha. Criado no século XIX, teve Henry Wood, importante compositor e regente inglês, como primeiro maestro. Wood é conhecido por ser o criador dos concertos promenades, conhecidos como Proms, que hoje é veiculado pela BBC com grande sucesso de audiência.
Wood em 1908 – pintura de Cyrus Cuneo
Conforme à tradição anglicana, o grupo costuma chamar seus regentes de precentores. É nomeado precentor aquele que conduz o serviço de adoração regendo o coro da igreja. Hoje, o grupo é conduzido por Geoffrey Webber, especialista na obra de Dietrich Buxtehude. Pela formação em musicologia, Webber é reconhecido por alargar o repertório do grupo, saindo da tradição do canto à capela e introduzindo obras de compositores de países não europeus, com destaque, inclusive, na condução de obras brasileiras para coro em um disco apenas de música coral brasileira, do qual pretendo fazer uma resenha neste blog em breve.
Fazendo jus à tradição bretã, o Gonville & Caius College possui diversos corais e grupos vocais universitários ligados à música erudita e popular de todos os tipos, e com diversas formações. O coro ensaia cinco dias por semana e ainda atua no serviço da capela e nas festas da faculdade. A parceria com a Delphian Label rendeu a gravação de vários discos, mostrando que, além de trabalho árduo, é necessário empreender ligações com os setores mais sensíveis do mercado, para a promoção do coral.

Noëls

Segundo o dicionário Groove, o termo noël é utilizado para designar "versos natalinos franceses, não litúrgicos, cantados com melodias e cânticos, ou de canções de danças populares." Esses versos foram coletados desde o século XVI, mas alcançaram maior popularidade na Europa durante no século XIX.
Um dos traços do romantismo é o nacionalismo, por isso, o resgate do repertório tradicional de determinada região é uma premissa para o movimento. Os franceses, após a Revolução Francesa, preocupados em buscar suas raízes, fizeram do noël um gênero de música natalina nacional.
Os noëls possuem grande popularidade nos países de matriz bretã, e possuem várias versões em inglês. Quando transpostos para a língua inglesa, recebem o nome de anthem; hinos, em português.

Uma tradição difundida pela educação

O movimento orfeônico foi um dos maiores responsáveis pela difusão dos noëls. O apelo religioso e, ao mesmo tempo, popular das melodias é muito atraente para o ambiente escolar. Ao mesmo tempo que são moralistas, devido à sua vertente religiosa, como decorrência de seu aspecto popular, suas melodias atingem facilmente o emocional inconsciente do povo. O movimento orfeônico, tendo como princípio básico a pacificação da população operária, que era explorada durante a revolução industrial, atuava como freio às revoltas populares. O berço do movimento é a França com a primeira sociedade coral, fundada em 1831, denominada Orphéon. Como atendia muito bem às demandas da estrutura operária, rapidamente foi difundido nos países em processo de industrialização da Europa Ocidental e, posteriormente, nas Américas.
O repertório francês foi muito usado no Brasil, especialmente durante a segunda guerra mundial, quando o Brasil atuou ao lado dos aliados e proibiu o uso da língua alemã no país. Chegamos ao absurdo de cantar Bach em francês. De qualquer forma, a França já era modelo cultural para o país desde o século XIX, quando trouxe artistas em missões culturais para uma aproximação diplomática após as guerras napoleônicas, e com Paris como polo cultural mundial. Servindo de modelo cultural para o Brasil e o mundo, é natural que muito da cultura francesa tenha vindo para o país, inclusive o movimento orfeônico, que alcançou seu auge na Era Vargas com o mesmo propósito pacificador da revolução industrial, e com as novas propostas da Escola Nova encabeçada, nos Estados Unidos, por John Dewey e tendo Lourenço Filho e Anísio Teixeira como representantes no Brasil.
É um pouco decepcionante observar que, estudando o movimento orfeônico no Brasil, percebemos maior ênfase no repertório tradicional natalino francês pelos noëls, em detrimento do repertório tradicional brasileiro presente nos pastoris e reisados, mostrando que, mesmo nosso movimento orfeônico sendo nacionalista, não teve forças para manter certas tradições culturais que o mercado não estava disposto a incentivar. Aos poucos, fomos perdendo essa tradição que praticamente está invisível no país. Isso mostra que, mesmo com os problemas políticos, o canto orfeônico teve papel preponderante na manutenção de certos gêneros musicais. A ausência de iniciativas equivalentes contribui para que o país perca sua relação com as tradições e origens.

Leia mais sobre canto orfeônico em:

O disco

O disco possui belas interpretações de obras corais românticas francesas para o natal. Quando não estão na formação original, são feitas em belos arranjos corais. Para quem gosta do repertório tradicional natalino francês, as músicas mais conhecidas como Cantique de Noël; Quittez, pasteurs; Noël Nouvelet; Noël d'enfants e outras mais de igual importância estão lá, além delas, também é possível ouvir Adeste Fideles, atribuída ao Rei D. João IV de Portugal.
Se você quer iluminar sua ceia de natal com lindas e elegantes obras corais Cantique de Noël é um disco recomendado. 

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