Por que aprender um instrumento pode ser tão frustrante?

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Ensino piano desde os dezessete anos de idade, e é uma experiência incrível proporcionar às pessoas o domínio sobre esse instrumento. Nessa empreitada, já vi muita gente desistindo, pois não tinham ideia do quão difícil é tocar um instrumento e, normalmente, o sentimento que mostravam ter era de frustração. Normalmente, os que seguem em frente com sucesso são aqueles que possuem a consciência de que o aprendizado necessita de disciplina e de autoconhecimento, isto é, conhecimento de suas próprias limitações.
A postagem de hoje é sobre o quão frustrante pode ser aprender um instrumento e como esse sentimento persegue aqueles que se dedicam ao estudo da música constantemente.

A frustração

Normalmente nos sentimos frustrados quando não conseguimos realizar uma tarefa da qual nos consideramos capazes. Essa sensação começa a surgir quando percebemos que, na realidade, somos capazes, mas o trabalho demanda ainda mais esforço do que esperávamos. A sensação se estabelece quando chegamos à conclusão, muitas vezes equivocada, de que não somos capazes.
Quando se trata do aprendizado musical, a frustração surge, muitas vezes, a partir da falta de consciência de que é preciso uma longa estrada para alcançar certos objetivos e que, nem sempre, o objetivo principal é aquele que cobiçamos, e sim o caminho que percorremos para chegar até ele.
Os psicólogos se ocupam bastante em explicar a frustração e possuem diversas conclusões importantes para aprendermos a lidar com nossas limitações, por isso, consultá-los nos momentos de crise pode ser uma decisão sábia. Entretanto, neste artigo, não pretendo dar uma de psicólogo, mas apenas apontar, de maneira prática, o que faz as pessoas desistirem de aprender um instrumento.

Falta de tempo diário

Se você não possui tempo diário, nem que seja vinte minutos, para estudar seu instrumento, pode acreditar: a frustração baterá à sua porta. Isso ocorre porque possuímos uma memória muscular que necessita ser respeitada. Não basta entender intelectualmente o que é preciso fazer. Temos que exercitar, malhar, treinar. Quem se predispõe a aprender um instrumento precisa, de uma vez por todas, compreender isso. Como diz o ditado: "no pain, no gain". Esta frase resume muito o quanto seu instrumento pode ser ingrato devido à falta de estudo.
Sempre temos momentos de dificuldades em que a vida não nos reserva tempo para nada, encarar essas fases com sabedoria é fundamental. Se sobra apenas os sete minutos do intervalo da novela para estudar, então, aproveite, pois esse tempo pode ser o diferencial entre sentir que está rendendo alguma coisa ou frustrar-se por não conseguir alcançar o objetivo proposto.

Esforço financeiro

Percebo, especialmente em alunos adultos, que o esforço financeiro é um fator determinante para a desistência do instrumento. De fato, chega a um ponto que sentimos que estamos jogando dinheiro fora e que tudo aquilo não vale a pena.
Isso ocorre, pois o tempo de aprendizado é muito diferente do tempo do dinheiro. Quando compramos algum produto, imediatamente o temos na mão pronto para uso. Não existe espaço para essa relação imediatista no aprendizado de um instrumento. Cada pessoa terá um rendimento que será dramaticamente determinado pela quantidade de tempo disponível para o estudo diário, pela disciplina com que esse estudo será empreendido, pela sua experiência de vida com a música e pela força de vontade que possui para superar as adversidades. Gastar rios de dinheiro não é fator determinante para o aprendizado de um instrumento e, quanto mais perceber que está gastando, exaurindo suas reservas financeiras e o resultado não chega, mais perto da frustração estará.

Instrumento como terapia

Muitas pessoas resolvem estudar um instrumento como uma atividade terapêutica. Eu sempre volto a uma máxima do professor de música quando surgem alunos com esse objetivo: "nem tudo que é terapêutico é terapia".
De fato, estudar um instrumento pode ser terapêutico, desde que haja um respeito mútuo entre suas dificuldades e o tempo de aprendizado. Do contrário, ao invés de terapia, o aluno terá um alto fator de estresse em sua vida. Portanto, siga esse conselho: se seu objetivo é aprender um instrumento como uma atividade terapêutica e não está disposto a estudar, contente-se com a falta de resultados, ou então irá se frustrar.

Métodos de aprendizagem rápida

Um método que propõe aprendizagem rápida invariavelmente irá limitar, de alguma maneira, a própria aprendizagem. Não existe mágica. Esses métodos mostram versões facilitadas de músicas de maneira que proporcione algum estímulo ao aluno iniciante. Mas, não pense que se tornará um Lang Lang, um Itzhak Perlman ou um Yamandú Costa da vida usando esses métodos. Salvo raras exceções, esses métodos proporcionam, na realidade, uma relação, no mínimo, medíocre com o instrumento.
Sob certa ótica, não existe nada mais irresponsável que os "métodos de banca de jornal" que prometem o aprendizado rápido de instrumentos. Esses métodos podem funcionar,  de alguma forma, como um primeiro contato com o instrumento e, de certa maneira, podem ser bons para determinar o quão disposto você está para aprender. Entretanto, não há nenhuma pessoa observando como os exercícios são realizados. Pode acreditar: se você estiver trabalhando por muito tempo com esses métodos, inclusive aqueles de aplicativos de celular que mostram pianos com teclas brilhantes, violões com casas brilhantes, violinos dançantes, etc, está correndo o risco de lesões sérias.
O professor responsável cuida o tempo inteiro da postura do aluno e da posição de sua mão no instrumento. Agradeço a cada professor que tive por nunca ter sentido nenhum tipo de lesão por esforço repetitivo, pois todos sempre cuidaram de mim. O professor de música que não leva isso para a vida é um irresponsável, e os métodos de aprendizagem rápida que não advertem os alunos sobre este risco também são.
Acredite: consertar a mão no instrumento dá muito mais trabalho que aprendê-lo da maneira correta e, digo por experiência própria, chegará um ponto que a sua posição equivocada delimitará o seu aprendizado e você terá que fazer exercícios para ajeitar a mão. Esses exercícios demandam mais tempo e paciência. Portanto, se você realmente quer aprender um instrumento, seja sábio e procure imediatamente um professor competente que dê aulas presenciais.

Problemas cognitivos

Há casos de alunos que, mesmo com dedicação e empenho, não conseguem alcançar os objetivos no aprendizado de um instrumento. Normalmente, esses alunos possuem dificuldades cognitivas como desafinação e arritmia. Parece algo raro, mas, na realidade, é muito comum, pois, normalmente, as pessoas associam o aprendizado de música a um instrumento, e música é muito mais do que isso. Existe uma formação humana anterior que, se for deficiente, afeta diretamente o aprendizado do instrumento. Portanto, se não tiver havido muitas atividades musicais anteriores, nem que seja uma experiência que parece simples  como cantar em videokê, isso se refletirá dramaticamente no aprendizado de um instrumento. Manter o pulso, decorar uma melodia, saber cantá-la de maneira delineada, saber a regularidade das mudanças de acordes quando acompanha a voz são atributos que já podem vir construídos antes do aprendizado do instrumento, mas, muitas vezes, a ausência de música na vida das pessoas faz com não possuam os pré-requisitos necessários. Daí a necessidade de trabalhos paralelos como canto coral e oficinas de percussão, onde esses atributos básicos são exercitados. Se você sente alguma dificuldade desse tipo, pode acreditar, isso vai afetar seu desenvolvimento na prática de seu instrumento e, dependendo da gravidade do caso, impossibilitar qualquer aprendizado. Trabalhar isso o quanto antes é fundamental para o crescimento musical e, acredite, dependendo dos casos, é mais determinante para o sucesso no aprendizado do instrumento, do que ficar horas a fio se exercitando sem fazê-lo de maneira correta.

Concluindo

Tive grandes desafios (e continuo tendo) em minha vida profissional que jamais imaginei poder enfrentar, mas foi a perseverança e a disciplina que me fez superar cada dificuldade e, posso dizer de carteirinha, aprendo muito mais no caminho do que no final de tudo. O caminho, aos poucos, mostra as dificuldades que você tem e como superá-las. Por isso ele é tão importante. O objetivo final é apenas o resultado do todo. É no caminho que enfrentamos, de fato, o que nos desafia.
Não me considero uma pessoa muito talentosa, já vi muitos músicos com maior aptidão desistirem. O segredo está na paciência de lidar com as próprias limitações. Reconhecê-las e aceitá-las é o primeiro passo para conter as frustrações.

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Comentários

  1. Caro Maestro RAFAEL: Tive em minha vida uma incrível Mestra de piano que me ensinou algo muito parecido com coisas que acabo de ler em seu artigo sobre a frustração ao estudar um instrumento. Dizia ela: estude sempre o que lhe for possível. Se só tiver cinco minutos, faça isso.
    Porém nunca estude mais de vinte minutos de uma só vez... se tiver uma hora apenas para estudar, toque vinte, pare vinte e toque os vinte restantes. De preferência repetindo o que estudou na primeira parte. Aprenderá bem mais que sentar e tocar uma hora seguida!
    Grato por nos colocar a par de seu método de trabalho!

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    1. Oi Tato,
      Obrigado pelo comentário.
      Dicas ótimas de sua professora. Muito bom!
      Grande abraço!!

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  2. Excelente texto, maestro. Eu, sendo seu aluno, sei a importância de um grande professor. E retribuo com o título de um filme, ao mestre com carinho.

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  3. Fui professora de piano por 21 anos. O que mais me chamou a atenção foi a ansiedade das mães que exigiam das crianças muito mais que o necessário para que o ensino fosse prazeroso e contínuo.
    Enfim, várias delas interromperam o conhecimento e o contato da música que seus filhos podiam ter tido de uma forma lúdica e progressiva.

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    1. Pura verdade!! Falta paciência para as coisas acontecerem.

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  4. Olá Rafael, tudo bom?
    Primeiramente, exponho minha situação com o piano:

    1- Estou a ponto de arrancar as teclas e quebrar os dedos, as vezes estou muito, mas muito frustrado, sento para tocar e acabo a sessão ainda errando a execução da música qual tento tocar, isso após 3 meses treinando 10 minutos por dia a mesma música, não faço exercícios como escala, arpejo ou outro qualquer, vou direto na musica que gosto, para aprender tocar, para curtir um pouco esse inicio, já tocava teclado antes, mas nada demais, estou com um piano digital Privia 160px. As vezes acho que a coisa é fácil, parece fácil, treino 10 a 20 minutos por dia, para chegar 5 meses e ainda errar, eu fico muito, mas muito despontado mesmo, até pensa em desistir devido ao estresse, sinto que vou demorar 2 anos para aprender a música, então o Piano vão ser 20 anos, por exemplo, em vias normais, (Fur Elise) não deveria levar mais de 2 meses para aprender treinando 20 minutos todos os dias, não sou zerado de tudo, sou um um pouco mais que iniciante mas muito menos que pré-intermediário ou estou errado? O que teria a comentar dessa minha atitude?

    2 - Estou ainda criando um plano de estudos, mas tenho somente 1 hora para estudar o piano.
    - Teoria Musical(partitura, historia, estilos musicais etc)
    - Harmonia
    - Exercícios (mão esquerda, depois direita etc)
    - Escalas (maiores, menores, pentatonicas etc)
    - Ritmos(jazz, blues e Musicas(peças etc), como acha que deveria dividir isso? porque 1 hora da para estudar somente uns 10 minutos de cada um desses cada categoria acima, e isso focando somente em uma subcategoria, lembrando que quero focar primeiro na música erudita, depois terei que repetir isso para o Blues que é outro estilo qual interesso, como estou com 1 hora disponível por dia, aprender isso tudo e conseguir tocar no piano, dominando ou sentindo-me confortável nesses campos de estudo vai me levar uns 15 anos nesse meu caso né? Estou me sentindo perdido

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